19/06/2009 09h50 - Atualizado em
05/01/2017 14h56
Secult apoia lançamento do livro "A Resistência Tapuia na Capitania do Espírito Santo", da filósofa Viviane Mosé
A história do Espírito Santo ganhará um nova análise com o lançamento da obra "A Resistência Tapuia na Capitania do Espírito Santo", escrita pela filósofa Viviane Mosé, capixaba que vive no Rio de Janeiro desde 1992. O livro será lançado em dois momentos: em solenidade na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), Centro de Vitória, na quarta-feira (17), às 17 horas. E também em palestra aberta ao público no auditório da Rede Gazeta, na Ilha de Monte Belo, em Vitória, na quinta-feira (18), às 19h30.
O livro é resultado de uma monografia do curso de Especialização em Políticas Públicas, feita na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 1991, sob orientação do professor Nelson Lucero, do Departamento de Psicologia. A obra é uma publicação do IHGES, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), da empresa Saneamento e Montagens (Samom), e Rede Gazeta.
História obscura
Uma questão incomodou Viviane Mosé quando, 25 anos atrás, começou a construir seu destino. Ela diz no livro que o Espírito Santo sempre ocupou uma posição obscura no cenário nacional e se pergunta: o que fez nossa cultura ser marcada por este desconhecimento, por este isolamento? Por que, apesar de estarmos próximos dos grandes centros urbanos e industriais, numa privilegiada posição geográfica litorânea, permanecemos por tanto tempo afastados do grande fluxo econômico que marcou a costa sul e sudeste do Brasil?
Mosé precebe hoje que, ao contrário do que viveu em sua juventude, o Espírito Santo começa a aparecer como uma alternativa para o país. "Nascida da lama como a flor de lótus, nossa cultura de violência e desmandos políticos ressurge como um exemplo de cidadania, gestão pública. Estamos mudando a direção de um barco centenário que insistia em encalhar na lama, mas ainda é cedo. Estamos em plena luta contra forças retrógradas e excludentes, forças desagregadoras, destruidoras que dominaram nosso estado desde os primeiros tempos", diz a filósofa.
Mergulho histórico
Para contruir a obra Viviane Mosé optou por um mergulho histórico, tentando apreender o nascimento e os primeiros anos de colonização do solo Espírito-santense. Um ponto parecia se destacar: em 1710 foi proibida a construção de estradas para o interior do Estado, com objetivo de preservar a mata atlântica, e também proteger o ouro de Minas Gerais dos corsários e contrabandistas. Com a medida Dom João V relegou a Capitania do Espírito Santo a um século de esquecimento.
E estudando mais profundamente o fato, a filósofa viu que na época dessa proibição a Capitania possuía território praticamente desocupado, exceto em pontos isolados do litoral. A inexistência de vilas no interior era outro fator que justificava a não construção de estradas, pois não haveria um dispositivo econômico que sustentasse as obras. Ao constatar isso, a filósofa seguiu para outro caminho: tentar compreender a razão da não ocupação do solo.
A trilha levou a escritora para uma guerra longa e sangrenta entre colonos e indígenas. Ela estudou as tribos indígenas do Brasil, e viu que o estabelecimento dos Tupi ao longo da Costa Atlântica, aconteceu pouco antes da chegada dos portugueses. Uma migração de Tupi invadiu o domínio Tapuia ( no século XVIII, tapuia significava qualquer indígena de um grupo que não se integrava nas comunidades portuguesas, nem adotava o modo de vida tupi-guarani. Eles não falavam a mesma língua e continuavam avessos à civilização), expulsando-os para o interior e estabelecendo o domínio unificado pela língua Tupi-Guarani.
Tapuias habitavam a maior parte do território capixaba
A tupinização dessas tribos permitiu a unificação do Brasil, na medida em que facilitou o acesso português. Os que não eram Tupi, ao contrário, eram considerados Tapuias, e a respeito deles circulavam os relatos mais assombrosos e imaginários: seriam os Tapuias os mais ferozes, antropófagos e de organização mais primitiva. Acontece que eram os tapuias que habitavam a maior parte do território capixaba. Eram falantes de línguas Macro-Gê: Goitacaz, Aimoré, Botocudo e Puri. Existiam também os Tupiniquim que eram Tupi e que viviam em constante guerra com os Tapuias.
É somente com a vinda dos jesuítas, trazendo o processo de catequese, que se torna possível a continuidade do processo de colonização. Até o início do século XIX, os colonizadores ainda lutavam para ocupar o território da Capitania, resistindo ainda em vilas litorâneas. É somente com a chegada dos imigrantes europeus, no final do século XIX, que nosso solo será efetivamente ocupado.
Na contra-capa do livro de Mosé há um trecho da obra "Raízes de Brasil" (1963), de Sergio Buarque de Holanda, onde ele chega a afirmar que esse hiato tapuia no litoral predominantemente tupi, provocou o desprezo da Coroa Portuguesa que não tinha interesse em investir em território de língua desconhecida. O Espírito Santo, assim como o Sul da Bahia, compunham as terras que configuravam esse hiato.
Uma das coisas que mais impressionou a filósofa "foi a dificuldade que o domínio branco teve de se estabelecer aqui. Somente com a chegada dos imigrantes europeus, na segunda metade do século XIX, a população branca suplantou a indígena e a negra. A colonização do solo Espirito-santense foi lenta e tardia. Estivemos, desde o início, isolados do resto do país, fator que se reflete até hoje na subjetividade capixaba".
A escritora completa: "este isolamento quase nunca é discutido, analisado, e, quando é, parte de uma hipótese que nos coloca como passivos desprivilegiados pela coroa portuguesa; falo da interpretação corrente de que estivemos afastados do fluxo econômico e cultural do resto do país para servir de barreira de proteção às Minas Gerais. Mas esta proibição, de construir estradas para o interior, que de fato aconteceu, não pode, por si só, responder pelo vazio a que ficamos relegados. Quando a proibição aconteceu já estávamos isolados, despovoados, sem uma atividade econômica que justificasse a construção de uma estrada. Talvez a Capitania do Espírito Santo seja a representante da maior resistência indígena em solo brasileiro".
Viviane Mosé
Viviane Mosé é psicóloga e psicanalista, especialista em "Elaboração e Implementação de Políticas Públicas" pela Ufes. Mestra e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
É autora do livro "Stela do Patrocínio - Reino dos bichos e dos animais é o meu nome", indicado ao prêmio Jabuti, o mais tradicional e importante prêmio literário do Brasil, na categoria psicologia e educação. Organizou, junto a Chaim Katz e Daniel Kupermam o livro "Beleza, feiúra e psicanálise".
Participou da coletânea de artigos filosóficos "Assim falou Nietzsche". Escreveu e apresentou, em 2005 e 2006, o quadro "Ser ou não Ser", no Fantástico, onde trazia temas de filosofia para uma linguagem cotidiana.
Serviço
"A Resistência Tapuia na Capitania do Espírito Santo", de Viviane Mosé
- Solenidade de lançamento
Local: sede do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), Endereço: Avenida República, 374 - Edifício Domingos Martins - 1º andar, Parque Moscoso
Data: quarta-feira (17)
Horário: 17 horas
- Palestra com Viviane Mosé
Local: auditório da Rede Gazeta, na Ilha de Monte Belo, em Vitória
Data: quinta-feira (18)
Horário:19h30.
Entrada franca
Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação da Secult
Larissa Ventorim
3345 9273 / 9902 1627
comunicacao@secult.es.gov.br
Usina Pensamento
Ana Barreto
(21) 9733 9396
usinapensamento@gmail.com
O livro é resultado de uma monografia do curso de Especialização em Políticas Públicas, feita na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 1991, sob orientação do professor Nelson Lucero, do Departamento de Psicologia. A obra é uma publicação do IHGES, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), da empresa Saneamento e Montagens (Samom), e Rede Gazeta.
História obscura
Uma questão incomodou Viviane Mosé quando, 25 anos atrás, começou a construir seu destino. Ela diz no livro que o Espírito Santo sempre ocupou uma posição obscura no cenário nacional e se pergunta: o que fez nossa cultura ser marcada por este desconhecimento, por este isolamento? Por que, apesar de estarmos próximos dos grandes centros urbanos e industriais, numa privilegiada posição geográfica litorânea, permanecemos por tanto tempo afastados do grande fluxo econômico que marcou a costa sul e sudeste do Brasil?
Mosé precebe hoje que, ao contrário do que viveu em sua juventude, o Espírito Santo começa a aparecer como uma alternativa para o país. "Nascida da lama como a flor de lótus, nossa cultura de violência e desmandos políticos ressurge como um exemplo de cidadania, gestão pública. Estamos mudando a direção de um barco centenário que insistia em encalhar na lama, mas ainda é cedo. Estamos em plena luta contra forças retrógradas e excludentes, forças desagregadoras, destruidoras que dominaram nosso estado desde os primeiros tempos", diz a filósofa.
Mergulho histórico
Para contruir a obra Viviane Mosé optou por um mergulho histórico, tentando apreender o nascimento e os primeiros anos de colonização do solo Espírito-santense. Um ponto parecia se destacar: em 1710 foi proibida a construção de estradas para o interior do Estado, com objetivo de preservar a mata atlântica, e também proteger o ouro de Minas Gerais dos corsários e contrabandistas. Com a medida Dom João V relegou a Capitania do Espírito Santo a um século de esquecimento.
E estudando mais profundamente o fato, a filósofa viu que na época dessa proibição a Capitania possuía território praticamente desocupado, exceto em pontos isolados do litoral. A inexistência de vilas no interior era outro fator que justificava a não construção de estradas, pois não haveria um dispositivo econômico que sustentasse as obras. Ao constatar isso, a filósofa seguiu para outro caminho: tentar compreender a razão da não ocupação do solo.
A trilha levou a escritora para uma guerra longa e sangrenta entre colonos e indígenas. Ela estudou as tribos indígenas do Brasil, e viu que o estabelecimento dos Tupi ao longo da Costa Atlântica, aconteceu pouco antes da chegada dos portugueses. Uma migração de Tupi invadiu o domínio Tapuia ( no século XVIII, tapuia significava qualquer indígena de um grupo que não se integrava nas comunidades portuguesas, nem adotava o modo de vida tupi-guarani. Eles não falavam a mesma língua e continuavam avessos à civilização), expulsando-os para o interior e estabelecendo o domínio unificado pela língua Tupi-Guarani.
Tapuias habitavam a maior parte do território capixaba
A tupinização dessas tribos permitiu a unificação do Brasil, na medida em que facilitou o acesso português. Os que não eram Tupi, ao contrário, eram considerados Tapuias, e a respeito deles circulavam os relatos mais assombrosos e imaginários: seriam os Tapuias os mais ferozes, antropófagos e de organização mais primitiva. Acontece que eram os tapuias que habitavam a maior parte do território capixaba. Eram falantes de línguas Macro-Gê: Goitacaz, Aimoré, Botocudo e Puri. Existiam também os Tupiniquim que eram Tupi e que viviam em constante guerra com os Tapuias.
É somente com a vinda dos jesuítas, trazendo o processo de catequese, que se torna possível a continuidade do processo de colonização. Até o início do século XIX, os colonizadores ainda lutavam para ocupar o território da Capitania, resistindo ainda em vilas litorâneas. É somente com a chegada dos imigrantes europeus, no final do século XIX, que nosso solo será efetivamente ocupado.
Na contra-capa do livro de Mosé há um trecho da obra "Raízes de Brasil" (1963), de Sergio Buarque de Holanda, onde ele chega a afirmar que esse hiato tapuia no litoral predominantemente tupi, provocou o desprezo da Coroa Portuguesa que não tinha interesse em investir em território de língua desconhecida. O Espírito Santo, assim como o Sul da Bahia, compunham as terras que configuravam esse hiato.
Uma das coisas que mais impressionou a filósofa "foi a dificuldade que o domínio branco teve de se estabelecer aqui. Somente com a chegada dos imigrantes europeus, na segunda metade do século XIX, a população branca suplantou a indígena e a negra. A colonização do solo Espirito-santense foi lenta e tardia. Estivemos, desde o início, isolados do resto do país, fator que se reflete até hoje na subjetividade capixaba".
A escritora completa: "este isolamento quase nunca é discutido, analisado, e, quando é, parte de uma hipótese que nos coloca como passivos desprivilegiados pela coroa portuguesa; falo da interpretação corrente de que estivemos afastados do fluxo econômico e cultural do resto do país para servir de barreira de proteção às Minas Gerais. Mas esta proibição, de construir estradas para o interior, que de fato aconteceu, não pode, por si só, responder pelo vazio a que ficamos relegados. Quando a proibição aconteceu já estávamos isolados, despovoados, sem uma atividade econômica que justificasse a construção de uma estrada. Talvez a Capitania do Espírito Santo seja a representante da maior resistência indígena em solo brasileiro".
Viviane Mosé
Viviane Mosé é psicóloga e psicanalista, especialista em "Elaboração e Implementação de Políticas Públicas" pela Ufes. Mestra e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
É autora do livro "Stela do Patrocínio - Reino dos bichos e dos animais é o meu nome", indicado ao prêmio Jabuti, o mais tradicional e importante prêmio literário do Brasil, na categoria psicologia e educação. Organizou, junto a Chaim Katz e Daniel Kupermam o livro "Beleza, feiúra e psicanálise".
Participou da coletânea de artigos filosóficos "Assim falou Nietzsche". Escreveu e apresentou, em 2005 e 2006, o quadro "Ser ou não Ser", no Fantástico, onde trazia temas de filosofia para uma linguagem cotidiana.
Serviço
"A Resistência Tapuia na Capitania do Espírito Santo", de Viviane Mosé
- Solenidade de lançamento
Local: sede do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), Endereço: Avenida República, 374 - Edifício Domingos Martins - 1º andar, Parque Moscoso
Data: quarta-feira (17)
Horário: 17 horas
- Palestra com Viviane Mosé
Local: auditório da Rede Gazeta, na Ilha de Monte Belo, em Vitória
Data: quinta-feira (18)
Horário:19h30.
Entrada franca
Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação da Secult
Larissa Ventorim
3345 9273 / 9902 1627
comunicacao@secult.es.gov.br
Usina Pensamento
Ana Barreto
(21) 9733 9396
usinapensamento@gmail.com