10/08/2021 17h41 - Atualizado em 11/08/2021 16h21

Site disponibiliza registros raros em áudio do folclore capixaba do acervo do pesquisador Guilherme Santos Neves

A partir do dia 19 de agosto, o projeto Registros Sonoros do Folclore no Espírito Santo – Acervo Guilherme Santos Neves vai disponibilizar aos capixabas um acervo de valor inestimável: um site com mais de 16 horas de registros raros em áudio, digitalizados pelo projeto, de manifestações da cultura popular local.  O projeto Registros foi realizado pelo Instituto Goia, com produção da Pique-Bandeira Filmes, e apoio da Secretaria da Cultura (Secult) e Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, do Governo Federal, por meio do Edital Memória e Diversidade Cultural, da Lei Aldir Blanc.

São gravações colhidas entre as décadas de 1950 e 1980, em diversas regiões do Espírito Santo, sendo a maior parte realizada pelo pesquisador e folclorista Guilherme Santos Neves. O acervo é composto por cerca de 59 fitas audiomagnéticas, que estava sob a guarda da família e despertou o interesse dos pesquisadores Vitor Graize e Luana Cabral.

O projeto foi realizado a partir de um cuidadoso trabalho de pesquisa, conservação, digitalização, inventário e, agora, divulgação desse patrimônio cultural. O acervo digitalizado abrange 45 itens, incluindo em seu total, 39 fitas em rolo de carretel aberto e seis fitas cassetes.

 Essa riqueza cultural será hospedada no site oficial do projeto (https://acervoguilhermesantosneves.com.br/ ), acompanhada de fotografias, ensaios e textos explicativos, para acesso público. O projeto também irá fazer o envio direto do material digitalizado a grupos folclóricos identificados na pesquisa e nos registros sonoros. Trata-se de uma ação fundamental para o resguardo e valorização da memória e identidade dos grupos folclóricos capixabas, especialmente da cultura afrobrasileira.

 Um evento on-line especial vai marcar o lançamento do site. O seminário Registros Sonoros do Folclore no Espírito Santo – Acervo Guilherme Santos Neves acontece dia 24 de agosto, a partir das 18h30, com transmissão pelo canal da Pique-Bandeira Filmes no YouTube.

 O projeto Registros Sonoros do Folclore no Espírito Santo – Acervo Guilherme Santos Neves foi realizado pelo Instituto Goia, com produção da Pique-Bandeira Filmes. “Foi incrível ter acesso a um acervo tão rico, com um grande volume de material sonoro, complementado por fotografias e textos, mas que permanecia guardado pela família. Acreditamos que essas gravações precisam ser divulgadas e voltar aos mestres da cultura popular, aos agentes de cultura popular, aos detentores desses conhecimentos e tradições. Esse é o principal impacto do projeto: o retorno dessa memória para os grupos que ainda estão em atividade ou para a memória de grupos, pessoas, mestres, festas e tradições que não existem mais”, destaca Vitor Graize.

 A pesquisadora Luana Cabral também sublinha a importância da preservação da memória cultural capixaba: “a preservação da memória, de suas tradições, é um direito dos grupos folclóricos e agentes culturais envolvidos em todas as manifestações folclóricas. Virtualmente inédito até então, o acervo pode, agora, ir ao encontro de seus(suas) verdadeiros(as) protagonistas, podendo ser apropriado por eles(as) em sua atuação política, artística e comunitária enquanto agentes culturais”. 

 Há cidades e bairros citados explicitamente nos arquivos: Vitória, São Mateus, Vila Velha, Serra (Manguinhos, Nova Almeida e Jacaraípe), Conceição da Barra, Aracruz, Serra, Muqui, Alegre, Cariacica, João Neiva (Acioli), Santa Leopoldina e Viana. Os arquivos abrangem inúmeras manifestações: toadas de congo, cantigas de roda, romances versificados, folias de Reis, ternos de Reis, folias do Divino, Reis de Boi, Bailes de congo, pontos de jongo e de caxambu, contos populares, Marujada, cantos típicos italianos e cantigas de vários gêneros (toadas da cachaça, do Tango-lo-mango, cantigas de cego e de ninar).

 Conservação e inventário

  A primeira etapa do projeto foi a higienização e o inventário do acervo. Ao todo, a equipe trabalhou com 59 fitas – 45 fitas rolo e 14 fitas cassetes –, que estavam sob a guarda de herdeiros do autor, em condições de conservação impróprias: acondicionadas em caixas de papelão e sob climatização inadequada. Poeira, ressecamento e oxidação acometiam a coleção.

 “Algumas fitas de rolo do acervo estavam acondicionadas em seus estojos originais, fabricados em papel cartão, material que pode ser prejudicial à conservação em função de sua alta acidez. Além disso, os estojos apresentavam danos físicos, fitas adesivas e ausência de ponta de proteção em alguns rolos, de modo que os trechos iniciais dos mesmos se encontravam danificados”, detalha Pedro Canal, diretor-presidente do Instituto Goia.

 O projeto, de início, avaliou o estado de conservação e acondicionamento da coleção. Em seguida, foi realizada a higienização das fitas por empresa especializada e o reacondicionamento em novas embalagens. As fitas apresentam identificação precária ou não apresentam nenhuma identificação. Poucas traziam informação sonora em que o autor cita data, localidade e personagens das gravações.

 Após a higienização, as fitas foram digitalizadas, o que permitiu a audição do material para iniciar a identificação do conteúdo. Este trabalho envolveu um cruzamento de informações entre as gravações e textos de Guilherme Santos Neves em livros, revistas e jornais publicados, ao longo de 30 anos de atividade intelectual. Guilherme Santos Neves referenciava, em textos, as gravações que realizava à época. Uma das principais fontes foi o boletim Folclore. A publicação capixaba, criada e mantida pelo folclorista, era voltada para divulgação do folclore e circulou com 95 números entre 1949 e 1982.

 Em suma: seguindo pistas nos textos e pistas nos áudios, e contando a colaboração de integrantes de grupos e tradições folclóricas, o projeto conseguiu, em parcela significativa, montar o quebra-cabeça da identificação das gravações.

 “A diversidade e abrangência dos registros sonoros e do acervo digitalizado demonstram a relevância e a urgência da iniciativa de inventário e conservação do acervo. Sua digitalização e a posterior difusão das cópias digitais contribuirão para a memória das manifestações culturais populares da sociedade capixaba e para o fortalecimento e identidade dos grupos e festas registrados”, destaca Pedro Canal.

 Histórico
A constituição desse acervo de versos e melodias do folclore capixaba começou em outubro de 1950. Por meses, sempre às quintas-feiras, às 20 horas, o folclorista comandou o programa “Penedo Vai, Penedo Vem”, na Rádio Espírito Santo PRI-9, que então operava no segundo andar do Mercado da Capixaba, no Centro de Vitória. “Penedo Vai, Penedo Vem” é, aliás, título de uma cantiga popular capixaba.

 O programa animou o espírito do pesquisador para a aquisição de um gravador próprio. Assim o fez e comprou um gravador a fio imantado da marca Webster, que lhe deu autonomia para coletar a riqueza popular capixaba, de norte a sul do Estado.

 A descoberta do acervo foi um lance do acaso. O pesquisador e cineasta Vitor Graize, que atualmente estuda os arquivos de Ramon Alvarado, se deparou com referências a filmes de folclore feitos por Guilherme Santos Neves nas anotações do cineasta capixaba. O pesquisador, então, fez contato com o escritor Reinaldo Santos Neves, filho de Guilherme Santos Neves. Reinaldo Santos Neves respondeu que nada sabia de filmes, mas separou um material em sua casa para Graize verificar. Eram as fitas.

 “Guilherme gravava para divulgar no ‘Penedo Vai, Penedo Vem’ e também para a transcrição e registro de toadas, cantos e entrevistas. E, ainda, para escrever os artigos que enviava para congressos, publicações nacionais e internacionais e, também, locais, como os artigos na imprensa e o ‘Boletim Folclore’. Esse material permanecia inédito e a família autorizou então que a gente o trabalhasse, buscando meios para preservar e difundir seu conteúdo”, pontuou Graize.

 Acervos raros

 O garimpo do projeto Registros Sonoros do Folclore no Espírito Santo – Acervo Guilherme Santos Neves encontrou preciosidades, como os registros de toadas e cantigas do Mestre Pedro de Aurora, cantador e tirador de jongo dos festejos de Conceição da Barra, em entrevista conduzida pelo grande folclorista Hermógenes Lima Fonseca. Mestre Pedro de Aurora é personagem fundamental da cultura capixaba e teve sua importância registrada no filme “Mestre Pedro de Aurora – Pra ficar menos custoso” (1978), dirigido pelo cineasta Orlando Bonfim Netto, falecido no dia 19 de julho deste ano.

 Outro acervo raro é a gravação do Concurso Estadual de Congos. Foi realizado como parte dos festejos comemorativos do IV Centenário de Vitória, durante setembro de 1951, de acordo com os registros de Guilherme Santos Neves, e teve como grande vencedora a Banda de Congos de São Benedito, de Boa Vista, Cariacica.

 Os registros se destacam todos pelo valor histórico e cultural, como a gravação das toadas das bandas de Congo de Campinho, Banda de Congo de Putiri e Banda de Congo de Jacaraípe, todas da Serra, registrada no período entre dezembro de 1950 e setembro de 1951, na Serra.

 A entrevista com Lauro Santos, conhecido como seresteiro do norte do Espírito Santo, é outro importante documento. Transita entre a pesquisa da cultura popular e o registro da religiosidade afro-brasileira no Espírito Santo. Em pouco mais de 30 minutos, Guilherme Santos Neves puxa o fio da memória do seresteiro sobre a prática da Cabula, religião afro-brasileira considerada precursora da Umbanda. Lauro Santos descreve os rituais em detalhes e canta diversos pontos.

 Os registros das toadas também são fundamentais, como a gravação com o portador de folclore Enéas Pinheiro de Souza, capixaba de Mimoso do Sul, em que o entrevistado passa meia hora desfiando inúmeras incelências (cantigas) e pontos de jongo. As entrevistas com os brincantes também são arquivos igualmente importantes. Aqui, Guilherme Santos Neves escava as raízes das manifestações folclóricas, como com mestre Julião Lúcio Atanásio, do Boi Pintadinho de Alegre, gravada no município, em data não especificada.

 As tradições dos imigrantes europeus são registradas em duas ocasiões. A cultura germânica é documentada em gravação de abril de 1953, na localidade de Recreio, Santa Leopoldina, com trechos do que seria um convite para uma tradicional festa de casamento pomerana. Em Guaraná, Aracruz, há registros de cantos típicos italianos em data ainda não confirmada. 

 

Sobre Guilherme Santos Neves

 Guilherme Santos Neves nasceu em Porto Final, vilarejo no distrito de Mascarenhas, município de Baixo Guandu, Espírito Santo, em 14 de setembro de 1906. Faleceu em Vitória, em 21 de novembro de 1989. Pesquisador do folclore capixaba desde a década de 1940, começou a publicar seus textos no jornal A Tribuna, de Vitória. Em 1946, fundou o Centro Capixaba de Folclore, vinculado à Academia Espírito-santense de Letras. Em 1948, a Comissão Espírito-santense de Folclore, da qual foi secretário-geral, à frente de uma equipe de pesquisadores, formada por Renato Pacheco, Hermógenes Lima Fonseca, Christiano Fraga, Eugênio Sette, Eurípides Queiroz do Valle, José Leão Nunes, Maria Penedo, Jair Dessaune, Fausto Teixeira e outros. Também, em 1948, fundou o boletim “Folclore”, do qual foi editor até o último número, lançado em 1982.

 As atividades de pesquisa do folclore capixaba, realizadas por Guilherme Santos Neves, cobriram quase todo o território do Estado e resultaram em centenas de estudos sobre as mais diferentes manifestações folclóricas, bem como em milhares de fotografias, inúmeras gravações em áudio e vários filmes.Ele também foi um dos onze membros do Conselho Nacional de Folclore, juntamente com Câmara Cascudo, Renato Almeida e outros. Foi membro da Academia Espírito-santense de Letras, ocupando a cadeira de José de Anchieta, e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES).

 Do autor, destacamos a publicação, em 2008, da obra “Coletânea de estudos e registros do folclore capixaba – 1944-1982”, organizada por Reinaldo Santos Neves; e o lançamento, em 2007, do CD “Cantigas de roda: Versões capixabas para coral infantil e orquestra de câmera”, com produção de Rogério Coimbra.

 

Sobre o Instituto Goia

 O Instituto GOIA é uma associação de fins não econômicos e tem como principal objetivo a preservação e proteção do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental, especialmente por meio de cursos de qualificação e atualização profissional, obras de conservação e restauro de patrimônio cultural, além da promoção e organização de estudos, pesquisas, eventos, oficinas e demais atividades culturais voltadas ao desenvolvimento de projetos de cunho educativo e social.

 

Sobre a Pique-Bandeira Filmes

 

Pique-Bandeira Filmes é uma produtora e distribuidora de conteúdo audiovisual fundada em 2011, em Vitória. O foco da empresa é a produção e distribuição de projetos autorais para os segmentos de cinema, TV, streaming e outros. Em 2017, a produtora criou o selo Acervo Capixaba, por meio do qual realiza projetos de pesquisa, preservação e difusão de obras raras do cinema produzido no Espírito Santo.


Serviço:

 

Site: https://acervoguilhermesantosneves.com.br/

 

Lançamento: 19 de agosto.

 

Webinário “Registros Sonoros do Folclore no Espírito Santo – Acervo Guilherme Santos Neves”

Convidados: a confirmar.

Data: 24 de agosto, a partir das 18h30.

Transmissão: https://www.youtube.com/user/piquebandeirafilmes

 

Informações à Imprensa:
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