09/04/2024 14h47

LICC: projeto ‘Nada me falta’ está na etapa final das gravações

Em janeiro, o projeto “Nada me Falta” iniciou o processo de criação de uma série de vídeos experimentais que serão exibidos em uma mostra artística homônima, a ser realizada nos dias 31 de julho e 1º de agosto, no Cine Jardins e no Cine Metrópolis, ambos em Vitória. Sob direção da realizadora audiovisual, atriz, roteirista e dramaturga Rejane Arruda, a iniciativa envolve a participação de oito mulheres cegas, três surdas e cinco artistas videntes-ouvintes – estas integrantes do coletivo Cia Poéticas da Cena Contemporânea. 

A produção, que está na etapa final de gravações, gira em torno de temáticas que abrangem diferentes formas de ver, ouvir e existir, desde aquelas que se estabelecem como determinadas por uma deficiência, até aquelas que se estabelecem como singularidade, experiência e memória de cada sujeito.

A linguagem audiovisual dialoga com a estética da performance, instalando-se como híbrida – entre o documental, o ficcional e o performativo –, estabelecendo, desse modo, o diálogo também com o estilo de composição visual desenvolvido anteriormente pelo coletivo na Escola de Fotógrafos Cegos e em outras produções visuais performativas.

“O objetivo é nos potencializar enquanto mulheres pela convivência, interação, diferença, testemunho, performance, criação, oferecendo para a sociedade a força e a forma deste obrar juntas”, afirma Rejane Arruda, acrescentando que o trabalho vai resultar em 15 vídeos de um minuto, compondo o universo lúdico e poético da criação videográfica contemporânea. 

De acordo com ela, uma espécie de edição piloto do projeto foi realizada com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), da Secretaria da Cultura, ocasião em que foram criados oito vídeos – realizados sem a equipe técnica, envolvendo apenas as mulheres artistas – para o ambiente virtual. Agora, a nova edição, conta com patrocínio da Transportadora Associada de Gás (TAG), viabilizado por meio da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC).

Em conjunto com outros projetos realizados pela Associação Sociedade Cultura e Arte (Soca Brasil) – “Cena Diversa”, “Escola de Fotógrafos Cegos” e “Orquestra Brasileira de Cantores Cegos” –, “Nada me Falta” consolida os trabalhos da associação como referência em arte e inclusão, apostando na potência de pessoas com deficiência (PCDs).

Testemunhos

Rejane Arruda ressalta que “Nada me Falta” tem um forte cunho testemunhal, centrado na história de vida dessas mulheres – que falam sobre elas mesmas. “Já tínhamos pensado a estética para esses momentos, com luz de janela e fundo escuro, as roupas florais. Isso se manteve”, observa a diretora, acrescentando que uma segunda estética foi concebida para contrastar com a primeira, a partir das ações performativas.

“Introduzimos laboratórios de poética corporal, que trazem uma certa dramaticidade. Para isso, utilizamos nosso histórico de investigações continuadas em artes cênicas, que é nossa área de formação. Já era um sonho antigo aprofundar um pouco mais a pesquisa com cegas e surdas. As surdas trazem uma performatividade corporal grande, já que o corpo é o principal suporte de sua língua. Com as cegas, e o não-ver presente no dispositivo, outras duas camadas são inevitavelmente instauradas: a audiodescrição e o toque, proporcionando uma perspectiva de soluções estéticas novas”, completa.

De acordo com ela, o princípio norteador dos trabalhos no coletivo é a presença da diferença que chega sempre com um “algo a mais”, que brilha e se apresenta como uma solução nova – motivo pelo qual a deficiência é acolhida como potência. 

Participantes

Formanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e cega de nascença, Geovana dos Santos participou da “Escola de Fotógrafos Cegos”, da “Orquestra Brasileira de Cantores Cegos” e, atualmente, está envolvida na produção do projeto “Nada me Falta”. Segundo ela, todas essas experiências têm sido fundamentais para elevar sua autoestima e fortalecê-la. 

“Esses projetos deram um novo sentido para a minha vida, após uma jornada difícil, em que eu havia acabado de perder um filho. Esses projetos me reavivaram. E agora, com o ‘Nada me Falta’, tem sido uma experiência maravilhosa, porque eu nunca me imaginei sendo artista de cinema. Ainda mais interagindo com mulheres surdas. É o poder da inclusão. Uma cega por conversa com uma surda. A energia, o toque, as ações”, afirma.

Segundo Geovana dos Santos, o projeto mostra que os desafios da vida são possíveis de se enfrentar e superar, de modo que as potencialidades individuais se revelem muito mais fortes que as deficiências. “Descobrimos cada vez mais que é possível unir mundos diferentes, diversos. Nos sentimos pertencentes, pois é um processo de inclusão verdadeira”, completa.

Graduada em Letras-Libras pela Ufes, Leidiane Dias é surda e autista e tem um canal no YouTube dedicado ao ensino de Libras e a temas diversos relacionados ao seu universo. Uma das artistas selecionadas para atuar em “Nada me Falta”, ela conta que a experiência proporcionou diversos desafios diários. “O projeto tem transformado minha vida à medida que as gravações avançam. Cada locação, cada cena produzida é um desafio. Eu tenho me visto por diferentes ângulos e feito descobertas sobre mim que nunca tinha imaginado antes. Tudo isso melhorou muito a minha autoestima”, ressalta.

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