21/02/2024 15h48

Funcultura: em temporada de estreia, ‘Besta-Fera’ questiona a convenção de ‘feminino’

As intérpretes trazem à tona características de 13 personagens mitológicas e literárias (Fotos: Lindalva Firme)

Bruxas, monstras, infanticidas, guerreiras sanguinárias, mariticidas. O espetáculo de dança-teatro “Besta-Fera”, da Cena Coletiva, reúne personagens mulheres que, vindas de mitologias diversas ou da literatura, negam o que a tradição ocidental convencionou como feminino: delicadeza, abnegação, instinto materno ou de cuidado, passividade, subserviência. Com estreia marcada para esta sexta-feira (23), em Domingos Martins, e apresentações em Vitória, sábado (24), e na Serra, dia 9 de março, “Besta-Fera” realiza sua temporada sempre com entrada gratuita. A direção é de Carla van den Bergen e Fernando Marques.

Por meio dos corpos das três intérpretes em cena – Gabriela Camargo, Patricia Galleto e Carmem Marques –, o espetáculo costura características de 13 personagens conhecidas e que, de alguma forma, desafiam aquilo que é tido como feminino, a exemplo de Medeia, Luzia Homem, Circe, Valquírias, Icamiabas, Hécate, entre outras. A montagem, contudo, não visa narrar literalmente suas histórias.

“Nossa obra não pretende contar as histórias dessas mulheres mitológicas ou literárias, mas destacar características de suas histórias e personalidades que as tornam descabidas na sociedade. O que causa estranhamento, temor, horror, o que as torna monstruosas é o que nos guia nesse trabalho”, pontua Carla van den Bergen.

Além disso, a dramaturgia pensada para o espetáculo se orienta por uma espécie de percurso geográfico. “Besta-Fera”, então, passa pelo mar, mangue, floresta, sertão, cidade e fim do mundo. Todos esses lugares e atmosferas também estão presentes na movimentação das intérpretes, criada e executada de forma a considerar as diferentes vivências corporais de cada uma delas.

Para Fernando Marques, a estruturação da dramaturgia a partir dos espaços físicos foi uma tentativa de organizar o extenso material de pesquisa que o grupo reuniu previamente. “Foi um trabalho de selecionar o que usaríamos para a criação e de tentar reconhecer padrões ou traços comuns entre as personagens. No fim das contas, o que acabou ficando, como uma espécie de roteiro, foi esse levantamento dos espaços físicos onde essas mulheres se encontram ou poderiam se encontrar, porque há alguma liberdade criativa nisso também”, explica.

O cerne que une essas personagens é o desvio de um padrão de normalidade para a mulher e para o corpo feminino que elas apresentam. “Em algumas delas, há o rabo de peixe ou cobras na cabeça, mas há também aquelas com corpos totalmente humanos e que causam estranhamento ou repulsa por seu comportamento. Quem determina a normalidade ou anormalidade desses corpos femininos são os homens que as têm escrito ao longo do tempo”, acrescenta o dramaturgo.

Textos, imagens e movimentações

Segundo a codiretora e coreógrafa Carla van den Bergen, o processo criativo de “Besta-Fera” partiu dos textos elaborados por Fernando Marques para cada espaço físico e cada personagem. Esse material escrito serviu de inspiração para que a coreógrafa pensasse ora em imagens, fotos e ilustrações, ora em movimentações.

“Os textos que Fernando criou para servir de disparadores do processo criativo são muito potentes e desenham imagens, ambientes, ritmos, cenários. É a partir deles, e, claro, de nosso olhar sobre eles, que o processo de criação coreográfica e de encenação se dá. Os textos das encruzilhadas, no caso dos ambientes, sugerem ritmos, movimentos e qualidades de movimento, já os textos das personagens somam a isso disparadores de muitas imagens, como fotografias. Muitas movimentações neste trabalho surgem como se estivéssemos dando vida a estas fotografias”, ressalta.

E os textos que seriam apenas ponto de partida para a criação acabaram fazendo parte do espetáculo na voz da própria Carla, que assume papel de narradora e iluminadora, e das intérpretes em alguns momentos específicos. “Os textos, que seriam a princípio somente material para trabalho em sala, foram se tornando algo tão bonito, que passaram a fazer parte muito significativamente da poética do espetáculo, de maneira que palavra e movimento aparecem com a mesma força e muita simbiose”, diz.

O espetáculo “Besta-Fera” é realizado com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), por meio do Edital 014/2021 – Setorial de Dança, da Secretaria da Cultura (Secult).

Oficina aberta ao público

Com o objetivo de compartilhar o processo de criação do espetáculo “Besta-Fera”, o grupo promove uma oficina dia 2 de março, às 9h, na Cena Escola de Dança, em Domingos Martins. São 20 vagas voltadas prioritariamente a mulheres e, caso não haja inscritas o suficiente, as vagas remanescentes serão destinadas a outros gêneros.

A oficina vai oferecer às participantes trechos do material levantado na pesquisa para o espetáculo – sobre as personagens-base –, como ponto de partida para criações cênicas e coreográficas, que serão posteriormente trabalhadas pelas oficineiras em conjunto com as alunas, reproduzindo, de forma condensada, o processo de montagem.

A oficina destina-se a estudantes e profissionais de artes cênicas e áreas afins, além de interessadas em geral. As inscrições podem ser feitas gratuitamente no formulário disponível neste link.

Cena Coletiva nas montanhas capixabas

A Cena Coletiva se formou a partir da junção de artistas residentes em Domingos Martins que queriam realizar um trabalho constante na cidade, contribuir com o movimento cultural, como um todo, e das artes cênicas, especificamente.

Por esse motivo, a maioria das apresentações será realizada em Domingos Martins, na Cena Escola de Dança. O espetáculo também passará por Vitória, na Casa da Música Sônia Cabral (como parte da programação do II Verão Cultural Sônia Cabral), e pela Serra, no Centro Cultural Eliziário Rangel.

“A Cena Coletiva é um grupo novo, mas une pessoas que já trabalham juntas há tempos em Vitória e que hoje, morando em Domingos Martins, consideram fundamental a relação com a comunidade local, com o entorno. Temos estabelecido uma boa troca com, por exemplo, as escolas públicas daqui, e nosso espaço de trabalho tem se tornado referência como espaço cultural local”, afirma Carla van den Bergen.

Fernando Marques destaca ainda a importância de garantir o acesso à arte fora das capitais, em locais onde muitas vezes não existe o hábito de interagir com espetáculos de dança e teatro. “É necessário que as artes cênicas aconteçam em todas as comunidades, porque, se há uma necessidade humana, ela não é uma necessidade só dos humanos que vivem na capital”, pontua.

Serviço:

Espetáculo de dança-teatro “Besta-Fera”

Cena Coletiva

Entrada gratuita

Classificação: 10 anos

Temporada de estreia:

Domingos Martins

Quando: 23/02 (sexta-feira); 1º, 2 e 3 de março

Horário: às 19 horas

Local: Cena Escola de Dança, Rua Karl Gerhardt, 27, 2º andar, Centro

Vitória

Quando: 24/02 (sábado)

Horário: às 19 horas

Local: Casa da Música Sônia Cabral, Praça João Clímaco, Centro

Serra

Quando: 09/03 (sábado)

Horário: às 19 horas

Local: Centro Cultural Eliziário Rangel, Rua Humberto de Campos, 1201, São Diogo I

Oficina:

Quando: 02/03 (sábado)

Horário: às 9h

Local: Cena Escola de Dança, Rua Karl Gerhardt, 27, 2º andar, Centro

Vagas: 20

Inscrições gratuitas pelo formulário disponível neste link

Ficha técnica:

Dramaturgia: Fernando Marques

Coreografia: Carla van den Bergen

Direção: Carla van den Bergen e Fernando Marques

Direção de arte: Francina Flores

Trilha sonora: Deyvid Martins

Iluminação e narração: Carla van den Bergen

Elenco: Alexsandra Bertoli, Carmem Marques, Gabriela Camargo, Patricia Galleto



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